No inverno também há flores

Editorial da revista Ebulição #1

No futuro, ninguém poderá dizer que não sabíamos. Não poderemos alegar ignorância e teremos dificuldade em justificar a indiferença, a letargia e a dissonância emocional. É essa afronta existencial – a de sabermos que estamos a ultrapassar os limites planetários – e o reconhecimento do nosso compromisso com o planeta em geral e as sociedades presentes e futuras, em particular, que motiva o encontro destas pessoas que se unem em torno deste projeto. Na cacofonia mediática que corre, é fácil que a notícia de uma revista que junta ao debate climático ativistas, cientistas e o público geral pareça coisa pouca. Mas não nos enganemos, não o é. Sabemos que faltam tantas vezes no debate e na comunicação climática em Portugal os instrumentos críticos para entender a fratura que a crise climática representa e como não pode ser encerrada em colunas de sustentabilidade. 

Fala-se de fadiga climática. De que a atenção para estas questões é pouca. Mas talvez não seja o trágico relato da situação que nos inquieta, mas a sensação de impotência perante a corrente de informação que nos atola, relembrando o mais desgraçado e inevitável desfecho. Vemos a inexistência da coragem política na COP, as regiões do mundo em que o frio ou o calor excessivo se tornaram armadilhas para a nossa sobrevivência. Vemos os povos a fugirem e os líderes que lhes fecham as portas. A crise do Governo que nos levará às urnas do dia 10 de Março não fica subtraída dos assuntos climáticos. A conivência das elites políticas com projetos do capitalismo verde, como são os de Sines, à custa das populações, dos procedimentos democráticos são um exemplo de um Governo que ainda não entendeu que não é possível fingir que se responde à crise climática. Será mesmo preciso requalificar os serviços públicos, afastar os interesses da indústria dos combustíveis fósseis da indústria.

Apesar de tudo, o sistema económico necrófago, que reproduz desigualdade, cimenta fossos entre ricos e pobres, fragiliza os laços comunitários e nos individualiza, faz também florir gerações de lutadores por justiça social e ambiental.

Nós não aceitamos a inevitabilidade. Não por sermos mais bravos ou mais inteligentes ou mais capazes, mas por a entendermos como um mecanismo para entorpecer a vontade e capacidade de transformação das pessoas que mais precisam que ela ocorra. Por isso escrevemos e debatemos e refletimos. De forma aberta, aceitando a premissa da possibilidade da discórdia que acarretam todos os debates das ideias. Mas também agimos. Queremos intervir mais, fazer mais, mas melhor, de forma mais qualificada. Multiplicar muito do bom trabalho que têm feito as pessoas que querem contribuir para esta publicação. Abrir caminho para quem ainda não encontrou o seu espaço no movimento. Fazer mais trabalho de base, fazer mais alianças com cientistas, ouvir mais as comunidades que povoam este país do Norte ao Sul por nunca esquecermos o apoio social de que necessitam as grandes mudanças na sociedade. Pensar de uma forma verdadeiramente ecológica, sobre o ecossistema de mudança necessário: desde a redução das emissões carbónicas a novos paradigmas para imaginar o cuidado, a saúde e a educação. Não mudamos necessariamente os lugares para onde estamos a olhar, mas adicionamos-lhes uma camada de perspetiva.

Em oposição às narrativas dominantes de greenwashing do capitalismo verde, são as nossas ideias que queremos que triunfem como irresistíveis e inevitáveis. Uma transição justa é a nossa barricada – não como coisa feia e indigna, mas como a vontade de criação de espaços em que, como tantas vezes ao longo da história, se levantaram as populações heroicamente para fazer face aos opressores.