A mobilização na luta pela proteção ambiental e justiça climática

Texto de Cristina Costa

A destruição das condições de sobrevivência humana na Terra ocorre brutalmente diante dos nossos olhos, dia após dia. No Canadá, em 2023, e só até setembro, já tinham ardido 14 milhões de hectares – uma área equivalente à da Grécia. O fenómeno natural El Niño deu-nos uma horripilante amostra do que nos espera nos próximos anos com ondas de calor simultâneas no sul da Europa, América do Norte e China, bem como terríveis inundações na Coreia do Sul, China e muitos outros lugares, atingindo especialmente trabalhadores e comunidades mais desfavorecidas. As guerras e a intensificação dos conflitos inter-imperialistas fizeram com que a maioria das ambições climáticas fossem «jogadas ao mar» por muitos países para «salvar a economia», com anúncios de novos investimentos em energia de fonte fóssil.

Para o capitalismo, o sistema económico vigente, a natureza é um recurso a explorar gratuitamente. A economia é movida pela perspetiva de lucro de uma minoria e cada capitalista tem de defender a manutenção e crescimento dos seus lucros, tenham eles origem em investimentos fósseis ou não. Apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões de CO2 nos últimos 35 anos, e elas sabem das consequências nefastas das emissões sobre o ambiente desde os anos 70. A crise climática e ambiental que vivemos hoje é uma crise capitalista.

Portugal – Estado e greenwashing empresarial de mãos dadas

O Parlamento português reconheceu, na Lei de Bases do Clima, em 2021, que a crise climática é uma emergência. Propôs uma transição energética justa rumo à neutralidade carbónica, a ser atingida em 2045, diminuindo e compensando as emissões de gases de efeito de estufa (GEE), enquanto protege trabalhadores e garante a criação e a requalificação do emprego. Mas, na prática, o exemplo mais recente da revoltante parceria entre Estado e capitalistas é o abate de mais de 1800 sobreiros na região de Sines, aprovado a 3 de agosto de 2023, para substituí-los por painéis solares em prol dos lucros de uma das grandes empresas energéticas. Não podemos esquecer também o mar de estufas que cobre o sudoeste alentejano, à custa de condições laborais de escravatura e da degradação da biodiversidade local.

O papel dos Estados, por todo o mundo, como órgãos de gestão do capitalismo, fóssil ou não, foi visível em mais uma COP (a 28ª!) em que governos e empresas traçaram planos para uma transição lenta, injusta e ineficaz no combate às alterações climáticas, incluindo novos contratos de exploração de combustíveis fósseis, em nome da manutenção dos lucros.

Transitar para uma economia sustentável implica mudanças drásticas na produção e distribuição de mercadorias em todo o mundo, a começar pela energia, uma renovação profunda do setor residencial que erradique a pobreza energética, a expansão massiva das redes de transportes coletivos menos emissores, uma reflorestação intensiva e um efetivo controlo florestal. Por outras palavras, seria necessário planificar setores-chave da economia. Ora, nós não controlamos o que não possuímos. E quem a possui hoje não está interessado em fazer esta transição, a menos que lucre com ela.
O incumprimento da Lei de Bases do Clima (já?!) em Portugal (com equivalências noutros países) é só mais uma demonstração que leis e declarações de emergência dos governos não alteram nem controlam a natureza destrutiva deste sistema económico. Precisamos de mudar o sistema, e há quem lidere o caminho.

Movimentos de luta

Em resposta à fraca vontade política e aos ataques dos empreendimentos lucrativos, movimentos pela proteção ambiental e pela justiça climática têm-se mostrado ativos ao longo da última década em Portugal, do norte ao sul do país: Dunas Livres, Não Às Minas, Climáximo, Greve Climática Estudantil, Salvar as Alagoas Brancas, entre muitos outros… Frequentemente liderados pela juventude e as comunidades locais, têm mostrado uma combatividade e uma determinação inspiradoras! Protestos locais, ações judiciais, ações contra jatos privados, ocupações de espaços escolares por estudantes ou o bloqueio do terminal de gás natural liquefeito (GNL) da REN são exemplos dessa determinação e de um confronto cada vez mais dirigido à classe capitalista e aos seus lucros.

Ainda assim, as vitórias contam-se pelos dedos das mãos. Os vários grupos que integram movimento ambiental em Portugal debatem-se com a fraca mobilização. A falta de perspetiva de vitórias, a propaganda negacionista e a constante exposição à desinformação e manipulação pelo greenwashing podem ser fatores contributivos para essa realidade; outros fatores poderão ser táticas com as quais o público se solidariza menos empregadas por alguns grupos, e a crise social atual que tem prioridade na atenção da vasta classe trabalhadora ocupada a (tentar) suprir as necessidades mais básicas do quotidiano.

No entanto, a luta pela justiça climática está cada vez mais diretamente ligada às lutas dos trabalhadores. É cada vez mais difícil contratar bombeiros pelas más condições de trabalho e pelo baixo salário, tendo o seu número diminuído para quase metade nos últimos 20 anos em Portugal. Nos EUA, trabalhadores sujeitos às altas temperaturas que o interior de um camião pode atingir (podem chegar aos 49°) foram parar aos hospitais durante as ondas de calor, hoje cada vez mais frequentes. Estas vagas de calor fizeram-se sentir também na Europa e forçaram a região de Calábria, na Itália, a emitir uma lei para proteger as pessoas cujo trabalho envolvesse uma exposição prolongada ao sol, não lhes permitindo trabalhar entre as 12:30h e as 16h durante o verão. E no inverno, em Portugal, quantos locais de trabalho estão devidamente equipados com climatização eficiente, ou quantas casas energeticamente pobres se tornaram o novo local de trabalho desde a pandemia? Inevitavelmente, as alterações climáticas continuarão a afetar as condições de trabalho de pessoas por todo o mundo, em especial nos países vítimas do neocolonialismo ou com menos recursos para se adaptarem.

Outro problema para a classe trabalhadora é que, quando as empresas descarbonizam, são os trabalhadores que sofrem as consequências. Como nos casos dos encerramentos da refinaria de Matosinhos e da central a carvão em Sines, em que os trabalhadores foram deixados sem emprego nem soluções. Um grupo de ex-trabalhadores de Matosinhos, após perceber que as especializações tiradas dentro da empresa não são acreditadas e são, portanto, inúteis para voltar a encontrar emprego, procura hoje novas formações na carreira ferroviária e um emprego na mobilidade verde, que observam como tendo futuro, não obtendo, no entanto, o apoio devido da parte do Estado. Uma transição justa tem de assegurar um futuro adequado para todos os trabalhadores das indústrias fósseis, através da requalificação e inserção destes profissionais nas novas indústrias imediatamente após o término das anteriores, sem perda de salários nem direitos.

É, então, do maior interesse da classe trabalhadora lutar pela manutenção dos seus empregos e por melhores condições de trabalho e, como tal, é do seu interesse controlar a transição industrial. Ela é a única com o poder de enfrentar o capitalismo, pois este depende da sua mão de obra.

A agência da classe trabalhadora

Em vários países, vemos exemplos de como os trabalhadores se ergueram e mostraram a sua força para preservar empregos e atingir produção socialmente necessária e, ao mesmo tempo, ambientalmente sustentável, em luta pelas mudanças necessárias para um futuro sem destruição ambiental e com justiça social.

Em França, os trabalhadores das centrais de energia entraram em greve em janeiro de 2023, com as palavras de ordem “a energia não é uma mercadoria e sim um bem essencial cujo acesso deve ser garantido a todos”. Nas ações “Robin dos Bosques” cortaram a energia a bairros ricos, prédios governamentais e grandes empresas, e tornaram-na gratuita ou baixaram a tarifa nos bairros de trabalhadores, escolas e hospitais.A transição justa requer mudanças na produção e distribuição de energia que só os trabalhadores do setor podem concretizar. As ações “Robin dos Bosques” mostram que se forem os trabalhadores a deter os meios de produção, todas as transformações são possíveis. A propriedade pública do setor energético sob controlo operário deve ser, por isso, parte fundamental do programa pela justiça climática.

A ocupação contínua da antiga fábrica da GKN (automóvel), na Itália, contra a perda de empregos e por uma transformação da produção é outro exemplo poderoso. A luta começou em julho de 2021, quando os 422 trabalhadores de peças automóveis foram demitidos abruptamente. Desde então ocuparam a fábrica, tomaram controlo da produção e construíram uma luta poderosa contra a perda de empregos e pela “reconversão em direção à mobilidade sustentável e energia renovável”, que tem sido apoiada por vários grupos climáticos e outros movimentos, conseguindo mobilizar grandes manifestações de até 40 mil pessoas. O tribunal do trabalho de Florença reconheceu o caráter ilegítimo dos despedimentos e a violação do Estatuto dos Trabalhadores Italianos. Os trabalhadores declararam, em agosto de 2022, a antiga GKN uma fábrica independente e socialmente integrada, onde a produção é por eles dirigida, em coordenação com a comunidade local e preservando o meio ambiente.

Menos recente, mas bastante relevante, é o exemplo do Plano Lucas, no Reino Unido. Em 1976, sob ameaça de despedimento, os trabalhadores da Lucas Aerospace formularam o Plano Lucas, em que conceberam 150 ideias para produtos, muitos dos quais altamente inovadores e que o capitalismo falhou em desenvolver nos últimos 50 anos. Só agora, sob pressão da crise climática, se estão a desenvolver seriamente algumas ideias do Plano Lucas, tais como bombas de calor, turbinas de vento, veículos alternativos e instrumentos de poupança de energia. Infelizmente, a empresa não foi nacionalizada, partes da Lucas Aerospace foram vendidas e outras encerradas. No entanto, o Plano Lucas catalisou ideias para a democratização do desenvolvimento tecnológico e gerou discussão e entusiasmo entre trabalhadores, ativistas e cientistas. É um excelente exemplo de como as decisões de converter a produção podem ser tomadas pelos trabalhadores recorrendo ao seu próprio know-how e às comunidades de que fazem parte. Em vez de despedimentos ou da produção de armas, os trabalhadores reivindicaram o direito à produção socialmente útil.

Estes exemplos mostram-nos o potencial de transformação da classe trabalhadora mas também as limitações da organização dentro do capitalismo. A conversão industrial faz-se apoiada no know-how dos trabalhadores, mas, por muito boas que sejam as ideias dos trabalhadores, quem possui os meios de produção é que decide. A classe trabalhadora tem o poder de tirar os meios de produção, extração de recursos e o seu transporte das mãos dos capitalistas que procuram o lucro e desenvolver uma planificação democrática que priorize as pessoas. Assim emergiria uma sociedade racional e democraticamente planeada que abordaria as mudanças climáticas.

Como mobilizar a classe trabalhadora?

Mas como envolver ativamente segmentos mais amplos da classe trabalhadora e aliá-los nesta luta pela proteção ambiental e justiça climática? Por toda a Europa, movimentos como Fridays for Future e Extinction Rebellion têm dado o exemplo ao unir-se a greves laborais, concebendo as suas ações de forma a aumentar a solidariedade entre ativistas e trabalhadores e envolver ao máximo a classe trabalhadora na luta.

Em julho de 2023, ativistas de Code Rouge ocuparam as áreas de construção de novas explorações de gás, da central de energia nuclear e as instalações da sede da empresa mais poluidora da Bélgica, durante quatro dias. Reivindicaram o fim da mercantilização da energia e a nacionalização desse setor, o fim aos subsídios para as grandes empresas poluidoras e um plano de transição justa para os trabalhadores dos setores poluentes sob o seu controlo. Em outubro de 2022, já tinham bloqueado as infraestruturas da Total Energies e contactado diretamente a delegação sindical local, exprimindo que são os trabalhadores que devem dirigir a transição, bem como mensagens de solidariedade com os grevistas em França. No Reino Unido, 60 mil pessoas concentraram-se em frente ao Parlamento, em Londres, em protestos organizados pela Extinction Rebellion, com participação dos membros do Sindicato de Serviços Públicos e Comerciais e de outras 200 organizações. Na Áustria, ativistas de System Change, not Climate Change e Fridays for Future apoiaram os trabalhadores ferroviários em greve por melhores salários e pediram solidariedade para com as greves no setor da educação.

Na Alemanha, durante a greve climática global a 3 de março, ativistas climáticos da Fridays for Future e trabalhadores dos transportes públicos do Sindicato Ver.di entraram em greve com o lema «We Ride Together» (Andamos (de transportes) juntos). Em pelo menos 30 cidades, ativistas climáticos visitaram piquetes de trabalhadores e fizeram-se manifestações conjuntas. Estima-se que um total de 200 mil pessoas tenha participado nos protestos em todo o país. Um sistema de transporte público mais amplo e acessível é uma das medidas centrais para alcançar a transição climática socialmente justa. Esta aliança nacional entre o movimento climático e os trabalhadores exigiu as condições necessárias para essa transformação: melhores condições de trabalho e mais investimentos em infraestrutura de transporte público.

Inicialmente, uma greve conjunta parecia irreal – as alianças locais consistiam num punhado de pessoas e as greves climáticas não atraíam a maioria dos trabalhadores dos transportes. Formas comuns de ação e uma linguagem comum tiveram de ser desenvolvidas. A cooperação no terreno assumiu formas muito diferentes: os ativistas começaram por organizar uma solidariedade concreta com os trabalhadores em greve – recolhendo declarações de solidariedade dos passageiros, confrontando os políticos com as reivindicações dos trabalhadores ou organizando encontros abertos com os cidadãos, onde os trabalhadores falavam sobre as suas condições de trabalho. Desta forma, construíram ampla solidariedade pública com os trabalhadores dos transportes. Em alguns casos, os próprios ativistas ajudaram a convencer os trabalhadores a entrar em greve.

Uma boa forma de começar aqui em Portugal será visitar os piquetes ou as manifestações dos trabalhadores em luta e conversar, encontrar ligações e reivindicações comuns e apoiar as suas lutas. Entregar panfletos nos locais de trabalho também pode criar oportunidades para discutir e ligar as condições de trabalho com a crise ambiental e climática.

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