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Entrevista a Mariana Riquito sobre a luta antimineração em Covas do Barroso
Quais são os motivos para a contestação, por parte das populações locais, da extração de lítio em Covas do Barroso?
Toda esta controvérsia começou já em 2017, quando uma pessoa emigrada em Inglaterra leu num jornal que havia intenções de abrir a maior mina a céu aberto da Europa na sua aldeia, Covas do Barroso. Foi nesse momento que soaram os gritos de alerta. Também mais ou menos nesse momento, uma empresa chamada Savannah Resources andava de porta em porta, em Covas do Barroso, a dizer às pessoas que queriam fazer prospeções, que já tinham as licenças todas, que o Governo já tinha dado a autorização e que as pessoas só tinham era de aceitar. Nessa altura, as pessoas aceitaram que se fizessem prospeções, quer em terrenos privados, quer em baldios. Mas, quando começaram a ver a forma abusiva e muito extensiva como as prospeções estavam a ser feitas, e depois de vir esta notícia do Reino Unido, ficaram “alto lá, isto há aqui qualquer coisa que não está a fazer sentido”.
Quais são os antecedentes desse projeto de mineração de lítio?
No caso de Covas do Barroso, o Estado assinou, em 2006, um contrato de exploração de quartzo e feldspato, para uma área de 120 hectares. Esse contrato foi assinado entre o Estado e a Saibrais e destinava-se à indústria da cerâmica. Nesse momento, a nível local, assinou-se também um contrato de arrendamento para 16 hectares entre o Conselho Diretivo dos Baldios e a empresa Saibrais. Mas, verdadeiramente, nunca houve nenhuma exploração. A Savannah, quando chegou, em 2017-2018, depois de o Governo ter andado a anunciar “promover” o lítio português os leilões do lítiointernacionalmente, chegou porque, em 2016, o Estado assinou uma adenda a esse contrato de 2006, que o modificou por completo. De 120 hectares para quartzo e feldspato passou para 548 hectares e foi adicionado o lítio. Ou seja, o Estado mudou completamente o propósito da licença. E isto sem consulta pública, mas também sem sequer consultar as autoridades locais. Esta forma como o contrato foi modificado está a ser alvo de um processo judicial em Tribunal.
Em que momento é que a oposição local se torna mais vocal e organizada?
A população começou a organizar-sea partir de 2017-2018, quando perceberam que esta pedreira, que esteve sempre inativa, poderia ser transformada na maior mina de lítio a céu aberto da Europa. Logo em 2018, foi criada a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso. Focamo-nos muito no caso da Mina do Barroso, prevista para Covas de Barroso, mas a verdade é que na região do Barroso há outros contratos de concessão mineira para lítio. Um outro é a Mina do Romano, em Montalegre, onde, também nessa altura, surgiu uma associação: a Associação Montalegre com Vida.
Aspopulações começaram a organizar-se a nível local e regional, tentando ganhar uma escala nacional, contactando na altura deputados que pudessem ser potencialmente aliados, nomeadamente um deputado do Partido Ecologista Os Verdes e a deputada Joacine Katar Moreira. Assinou-se uma petição de iniciativa cidadã, que conseguiu mais de 4500 assinaturas e, portanto, conseguiu chegar ao Parlamento. Esta petição só foi discutida há duas semanas [no dia 27 de setembro de 2024], apesar de ter dado entrada em 2019. Ao abrigo dessa discussão, o LIVRE, o PAN, o PCP e o BE apresentaram projetos de resolução a pedir a suspensão imediata dos projetos mineiros. Para os outros partidos políticos, sobretudo para o PS e para o PSD, as contestações das populações continuam a não ser vistas como legítimas. As pessoas continuam a ser vistas como uma cambada de ignorantes.
Também em 2019, 15 associações escreveram o Manifesto Nacional contra a Exploração de Lítio, fez-se a primeira grande manifestação nacional em Lisboa. Desde então, o movimento tem crescido mais e maissobretudo a partir de 2021, quando se realizou o primeiro Acampamento em Defesa do Barroso. Este verão foi a quarta edição e reuniu mais de 500 pessoas de todo o mundo. A contestação, a nível internacional, tem também crescido: temos alianças tanto no continente europeu como sulamericano e este ano realizou-se inclusive uma ação internacional coordenada antiextrativista
Quais são os motivos invocados pela população para contestar a extração de lítio?
Primeiro, a própria forma como a empresa chegou, dizendo que já tinha as licenças; o facto de terem descoberto por um meio de comunicação social internacional; que o Governo tinha mudado o contrato sem os consultar… Portanto, a forma como a empresa não tem sido transparente sobre as suas pretensões e a forma como o Estado é percecionado como estando em conluio com esses interesses privados.
Outra razão fortíssima é a questão ecológica, ambiental e socioeconómica, porque o Barroso é a única região do país que é classificada como Património Agrícola Mundial, uma classificação que foi recebida em 2018, justamente na altura em que tudo isto começou. Essa classificação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconhece que as práticas agrícolas – e também socioeconómicas – nestas regiões se encontram em harmonia com o meio envolvente. Ou seja, reconhece-se que há, de facto, uma coexistência harmoniosa entre as populações humanas e a natureza.Há muita gente em Covas que é agricultora, pastora, ou apicultora, muita gente que usa e/ou depende dos baldios. Apesar de haver também outros trabalhos e fontes de rendimento, toda a gente tem a sua pequena horta. A exploração mineira ameaça a perpetuação desta forma de vida e dos seus rendimentos, porque obviamente as pessoas consideram que a extração mineira não é compatível com a agricultura. Aliás, a incompatibilidade entre o projeto mineiro e o selo da FAO é reconhecida pela própria Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Outra grande razão que tem vindo a ser cada vez mais apontada é a forma como a transição energética e a suposta transição justa está a ser pensada. No Barroso, as pessoas muitas vezes dizem: “Ah, mas que descarbonização ‘verde’ é esta? Que transição ‘justa’ é esta? Nós não podemos ser o sacrifício das cidades, não podemos querer continuar a poluir e a consumir nas cidades, destruindo o nosso modo de vida.” Há aqui uma forma de entender este projeto como injusto. E não só injusto, mas também absurdo, há uma crítica muito clara às metas de descarbonização. Muitas vezes é dito: “Mas como é que podemos estar a falar de descarbonização se ao mesmo tempo estamos a destruir florestas, estamos a destruir cursos de água?” Há uma compreensão de que, de facto, existe uma contradição inerente à forma como estas políticas de transição energética estão a ser pensadas.
À medida que os anos foram passando, também há muito uma crítica aos outros argumentos que foram surgindo, como, por exemplo, o da independência energética europeia. Essa ideia de soberania energética europeia também lhes parece falaciosa, quando os diferentes componentes e materiais necessários para, não só as baterias de lítio, mas também todos os outros componentes e materiais dos carros, não são necessariamente extraídos, refinados e processados no continente europeu. Portanto, também há uma crítica a essa outra forma de justificar a importância do lítio.
Há ainda uma crítica muito forte à ideia de um excecionalismo europeu, ou seja, a esta crença de que na UE seguimos práticas ambiental e socialmente mais responsáveis. As gentes de Covas têm vindo a contrariar isso por sofrerem na pele as más práticas da empresa – desde a destruição de terrenos para as prospeções; às tentativas de coerção e criminalização de pessoas; à falta de transparência e honestidade com que a empresa se dirige às pessoas; e também ao próprio projeto, que consiste em quatro minas a céu aberto assim como várias barragens de rejeitados a montante, um método ilegal em 4 países da América Latina (Brasil, Chile, Equador, Peru) e que, no projeto da Savannah, se situaria a menos de 1km do rio Covas, o que seria ilegal até na China. Ou seja, as pessoas têm sucessivamente criticado as narrativas que pretendem justificar algo que consideram uma mentira.
Porque é que os baldios são tão importantes para as comunidades do Barroso?
Os baldios são um tipo de propriedade de cariz comunitário, não pertencem nem ao Estado nem a privados e são um património histórico-cultural importantíssimo para as populações serranas. A aldeia de Covas do Barroso tem cerca de 2000 hectares de baldio. Em Covas do Barroso, não é a Junta de Freguesia que gere os baldios, como acontece em muitas outras aldeias. Foi formado um Conselho Diretivo dos Baldios por volta de 2006, e a questão da mina tem reavivado, sem dúvida, a importância dos baldios e da sua gestão comunal. Todas as ações sobre os baldios têm de ser decididas em Assembleia de Compartes, que são todos os residentes, e o Conselho Diretivo executa-as.
Desde que a questão da mina está em cima da mesa, as reuniões dos baldios têm sido muito mais frequentes e frequentadas. A participação política é muito maior e há uma recuperação desta memória histórica do que é ser soberano de terras que são muito importantes para o sustento das populações serranas. Por exemplo, em Covas do Barroso, ainda vão buscar mato para fazer as camas dos animais; há também quem vá buscar lenha ou quem vá apanhar cogumelos; há quem dependa diretamente dos baldios por ser agricultor, pastor ou apicultor. Há também uma equipa de Sapadores Florestais permanente e outras pessoas a executar projetos florestais – todas elas de Covas. Ou seja, os baldios garantem também empregos locais.
Pelo menos 71% da área de concessão do projeto da Savannah Resources é em terrenos baldios. Os baldios não podem ser vendidos e, sucessivamente, em Assembleia de Compartes, as pessoas têm dito que não à mina. Ora, para a empresa ter acesso aos baldios, teria de haver um acordo com a Assembleia de Compartes e um posterior contrato de arrendamento. Não havendo um acordo, o Estado teria de expropriar estas terras.Em novembro de 2023, a empresa tentou entrar e avançar para fazer prospeções numa área que diz ter comprado, e de facto tem a marcação noBUPI e comprou, mas essa área coincide com terrenos baldios. Isso tudo está em litígio Ou seja, para as populações, a empresa usurpou uma parte do baldio. De novembro de 2023 a maio de 2024, todos os dias, a população manteve um bloqueio daquela parcela de terreno. Faziam turnos diários para garantir que a máquina não trabalhava naquele terreno.
Que táticas é que foram utilizadas pela empresa para tentar dividir a população?
Ainda hoje estivemos a ler um relatório da Savannah aos investidores em que falam do “desafio” que é a “contestação da população”. A Savannah tem tentado orquestrar uma campanha muito forte nos média, alegando que é só um pequeno grupo [que se opõe à mina]. Mesmo nesse relatório aos investidores, é referido que é só um pequeno grupo, embora seja “minucioso e eficiente” [risos].
Em relação às táticas de divisão, acho que aquilo que se vê, que se lê, que se ouve sobre o que se passa na América Latina, em comunidades indígenas, em comunidades quilombolas, em comunidades tradicionais, é aquilo que estamos a ver no Barroso. É uma forma de entrar num território como se pudessem mandar nele, como se aquelas populações não valessem nada. Há uma construção daquelas populações como inferiores, subalternas, descartáveis e sacrificáveis que é clara na forma como a empresa tem atuado, e na forma como os sucessivos governos as têm tratado.
Tentam acabar com as lideranças e seduzir as pessoas mais economicamente vulneráveis, eventualmente?
Exato. E, no último ano, desde setembro, a postura [da empresa] tem sido muito mais agressiva. Contratou segurança privada, que esteve quase diariamente no terreno. Para além disso, houve uma patrulha da GNR destacada diariamente para Covas do Barroso, entre outubro de 2023 e maio de 2024. Diariamente, ter segurança privada e GNR num território que é uma aldeia com menos de 200 pessoas, a maior parte delas muito velhas, foi altamente humilhante para as pessoas… Isto é uma clara estratégia de intimidação. Houve revistas feitas de forma muito duvidosa por parte da polícia, identificação de pessoas, multas…. Houve segurança privada a passar, de carrinha, às três da manhã ao pé de casa das pessoas, em vez de estarem onde deveriam estar, no monte… E a isso também se adicionou instrumentos legais, ou seja, queixas-crime contra líderes locais, por forma a silenciá-los.
Qual é que é o estado atual do processo? Quais são os planos anunciados pela empresa no curto prazo?
Em 2017, 2018, a empresa achava mesmo que ia conseguir entrar sem resistência. Basicamente, utilizando o contrato que já existia, o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) que já existia…
Não estavam à espera que fosse contestada a alteração ao contrato?
Exatamente. Então, tiveram de fazer um EIA. Este contempla o alargamento da área de 548 hectares (dados pela adenda assinada em 2016) para 592 hectares. Portanto, a área de que falamos atualmente são 592 hectares. Apresentaram o EIA em 2020 e foi declarado “não conforme” pela APA. Tiveram mais tempo para o reformular. Enviaram-no outra vez, já em 2021. Foi outra vez declarado “não conforme” pela APA. Mais ou menos nesse momento, a Fundação Montescola fez um requerimento de acesso a pedidos de informação. A Comissão de Acesso a Documentos Administrativos veio a ordenar que a APA apresentasse esses documentos. A APA, ao invés de apresentar esses documentos, divulgou o EIA – este supostamente já conforme – para consulta pública, em abril de 2021. Esteve em consulta pública e recebeu muitas contestações por parte de cidadãos e entidades. Passado um ano, o EIA da Savannah recebeu um parecer altamente desfavorável por parte da APA, em junho de 2022. O Relatório da Comissão de Avaliação da APA fala das águas, das espécies protegidas, da paisagem, enfim, de tudo. São centenas de páginas que elencam as consequências altamente negativas e irreversíveis do projeto. Mas a DGEG escreve um anexo a dizer que não concorda com esse voto. Então, ao abrigo do artigo 16º, a empresa teve mais seis meses para reformular o seu EIA. E foi esse EIA reformulado que foi entregue em março de 2023 e que depois recebeu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) condicional favorável, em maio de 2023. Ora, há muitos especialistas que leram e avaliaram os dois EIA e, na verdade, consideram que as reformulações não são substantivas. Portanto, é aí que estamos: a empresa tem uma DIA condicionada, o que significa que tem de provar que consegue cumprir com uma série de condições impostas pela APA.
Neste momento, a empresa está a tentar mitigar os potenciais impactos e cumprir essas condições?
A DIA tem várias condições. As quatro principais é não captar água do rio Covas; construir uma variante a uma autoestrada que há lá perto para levar os camiões, o que em si mesmo carece de EIA e DIA favorável; pagar ao Município de Boticas metade do valor que vier a ser fixado no contrato de concessão; e respeitar os períodos de desmatação entre 1 de setembro e 15 de março.
A empresa recebeu essa informação em maio de 2023 e tinha supostamente um ano para entregar o Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), no qual argumenta como é que consegue cumprir as condições da DIA. Para além daquelas quatro principais, há ainda 42 condicionantes a apresentar em sede de RECAPE e cerca de 170 medidas de minimização/compensação. Há condições que requerem o acesso aos terrenos, e a empresa não está a conseguir ter esse acesso. Por isso é que, em novembro de 2023, tentou usurpar um terreno baldio. Graças ao bloqueio, também não conseguiu realizar prospeções nessa parcela.
Recentemente, quer o Conselho Diretivo dos Baldios, quer a Junta de Freguesia, quer alguns proprietários, que têm áreas importantes na área de concessão, receberam uma carta registada da DGEG a dizer que a empresa tinha começado um processo de servidão administrativa, que basicamente é uma expropriação temporária, para fazer prospeções naquela área. E a DGEG manda essa carta a dizer que vai dar uma provável resposta favorável ao pedido de servidão administrativa. As pessoas exerceram o seu direito de audiência prévia, portanto, contestaram este pedido de servidão administrativa, que provavelmente receberá opinião favorável na DGEG. É expectável que haja agora este novo processo em tribunal, a juntar-se a todos os outros.
O que também é expectável é que a empresa se tenha candidatado, neste mês de agosto, a “projeto estratégico”, no âmbito do Ato Legislativo Europeu para as Matérias-Primas Críticas. Quem receber o selo de projeto estratégico, tem acesso quer a financiamento, quer a uma aceleração dos processos administrativos. Da nossa perspetiva, sem dúvida que a Savannah se deve ter candidatado. Agora, o [nosso] objetivo é que o Governo português, que tem a última decisão, não conceda o selo de projeto estratégico. As decisões supostamente saem já em dezembro deste ano, portanto, é tudo muito rápido.
Qual é a visão das pessoas em relação ao futuro energético local?
Eu acho que dentro do movimento antimineração há muitas perspetivas diferentes, porque há uma agregação de pessoas vindas dos mais diferentes espectros da sociedade, até dos mais diferentes espectros ideológicos. E há vários movimentos antimineração, não é possível falar de um só movimento. Uma grande parte do movimento aponta para uma vertente do decrescimento, esta ideia de que é importante pensarmos na redução do consumo e da produção energéticos, ou seja, também pensar em outras formas e modelos em relação àquilo que comemos, àquilo que utilizamos no nosso dia-a-dia, à forma como nos movimentamos, etc. Há também uma crítica grande à ideia de crescimento económico, porque é a que legitima projetos como este.
Por outro lado, há uma crítica ao modelo de mobilidade. As pessoas dizem muitas vezes: “Claramente o lítio é para os carros, e para os carros individuais”. Portanto, há um debate sobre o facto de não fazer sentido replicarmos e perpetuarmos o modelo do carro individual, devíamos, ao invés, apostar em transportes públicos. E isto vindo da parte de populações que estão completamente abandonadas pelo Estado, onde os transportes públicos são quase inexistentes. Portanto, esta ideia também de uma justiça da mobilidade, uma justiça social e ecológica.
Depois, há outras sensibilidades, acho que é mesmo um movimento plural, desde críticas bastante mais radicais e contundentes a todo o sistema económico e a todo o sistema produtivista, ou seja, pessoas que pensam em outros modelos energéticos que não sejam de facto crescentistas ou produtivistas.
Da parte da população local, acho que há uma associação muito grande da transição energética a esta injustiça e a este absurdo, este paradoxo. E depois também há muitas vezes uma coisa que é dita que é: “Nós já contribuímos muito para a descarbonização.”
Não são elas as responsáveis, isto é, elas já cuidam do seu território.
Sim, e não só nessa vertente. Também fazem muita referência às eólicas, às barragens, porque quem andar por aquela região vê barragens a torto e a direito, eólicas a rodear todos os montes. E isso é uma coisa que as pessoas dizem muito: “Já temos as barragens, já temos as eólicas, nós já contribuímos para a descarbonização.” Há quem dentro do movimento faça críticas à ideia de descarbonização, à ideia de energias “renováveis”. As populações locais conceptualizam a descarbonização como injusta e como uma falácia na forma como está a ser planeada através deste projeto de mina. Ao mesmo tempo, também dizem: “Ok, mas já contribuímos para a descarbonização, já temos aqui barragens, já temos aqui eólicas, já estamos a produzir energia “verde”.” E, portanto, acho que há esse debate sobre o porquê de termos de ser nós, mais uma vez, a ser sacrificados e a pagar o preço.
Também há a forma como veem a sua própria vida de baixo consumo energético. Não é que haja necessariamente um debate muito concreto sobre a necessidade ou possibilidade de replicação desse modelo à escala global. E também não é necessariamente pensado em termos de modelo energético, mas em termos de modelo de sustentabilidade. Muitas vezes as pessoas dizem: “Aqui, isso da reciclagem nem faz sentido, porque nós sempre reciclámos… não se desperdiça.” A circularidade é uma prática: quando uma coisa se estraga, arranja-se, não se compra novo; os restos vão para os animais ou para a terra; o que se tem a mais reparte-se com os vizinhos. Não é necessariamente de um modelo energético que se fala, mas fala-se e vive-se segundo um modelo de vida cujo consumo energético é muito baixo. Ou seja, ideias como “sustentabilidade”, “economia circular”, “circuitos alimentares localizados” são, na verdade, práticas no Barroso.
Como é que vês o teu papel nesta luta?
Sou investigadora e ativa nos movimentos e na luta. Participei no primeiro Acampamento em Defesa do Barroso, em agosto de 2021, e apaixonei-me por aquela região. Desde então, não tenho parado de regressar. Juntei um pouco o útil ao agradável, ao começar a minha investigação doutoral sobre este tópico. Vejo-me como uma pessoa que está lá, acima de tudo, para dar apoio. Há muitas formas de apoiar as populações locais. Acho que é uma coisa que tenho feito muito nos últimos anos. O título de investigadora pode dar uma certa legitimidade a certas posições. Um dos meus objetivos com a minha investigação é poder contar histórias que possam inspirar e prestar uma homenagem a esta região, a estas pessoas, a estas serras, a estas águas. E possam inspirar a pensar e a estar de outra forma. Que possamos repensar, agora e para o futuro, as políticas que estamos a tomar sobre o rumo que queremos dar ao planeta. Que possamos contar histórias que contrariem a ideia de que somos donos e controladores dele. Tudo parte de um grande amor a esta região – por isso estou ativa.