Editorial da revista Ebulição #3
O ano vai terminando com uma série de duros golpes sobre a luta por uma transição ecológica e climática justa. Primeiro os incêndios em Portugal, depois as cheias em Valência, mostraram o quão devastadora é a ameaça que enfrentamos. Tragédia e sofrimento deram lugar a indignação, mas o que deveria ter sido um grito – um aviso – sobre o que há de vir, torna-se mais um numa longa fila de acontecimentos que vêm e vão sem nada mudar.
A Conferência das Partes sobre alterações climáticas e a sua congénere sobre biodiversidade até já têm dificuldade em convencer os menos céticos sobre a postura dos governos e das empresas na sua intenção de fazer alguma coisa contra a devastação ecológica. As próprias empresas fósseis já nem têm de convencer os consumidores de que vão mudar algo. BP, Shell, Exxon, Equinor assumiram sem repercussões o que muitos de nós já sabiam: não têm qualquer intenção de fazer a transição.
E por aí nos vai levando o capitalismo fóssil, perseguindo a guerra e o investimento na indústria militar, em vez de pensar na mitigação e adaptação. Saltando de crise em crise, enquanto quem trabalha e quem foi historicamente explorado e sacrificado em nome de “lucros monstruosos” continua na linha da frente da catástrofe bélica, do custo de vida e climática.
E nós aqui, à beira mar plantados, recebendo com atraso as ondas de choque mundiais, lidando com os nossos próprios atrasos e insuficiências: na Madeira, um líder do governo regional que vai de férias enquanto a ilha arde; no Ambiente, uma ministra que aperta a mão à exploração agrícola intensiva e à sua homóloga espanhola, enquanto o Algarve morre à sede; nas Infraestruturas, uma vontade inabalável de desinvestir e privatizar a ferrovia, e um outro ministro que ainda aproveita para insinuar que os acidentes de comboio acontecem porque os maquinistas andam alcoolizados.
Em Portugal, quem governa deve andar esquecido do futuro, vagueando por aqui e por ali, perdido nas brumas da memória. E depois acorda-se com incêndios pelo país afora, pessoas em sofrimento, vidas descosturadas. Quem perdeu tudo já tinha ouvido da última vez que “serão feitos todos os possíveis para que não volte a acontecer”, e a cantiga repete-se enquanto se plantam mais eucaliptos.
Mas há (sempre houve) candeias que não se apagam na escuridão. E se nos fixarmos com atenção nelas, parece que a luz vai crescendo e crescendo sem tréguas, iluminando o caminho. O terceiro número da revista Ebulição contrasta a escuridão com a clareza, a inação com a luta. Não nos iludimos nem nos deixamos cair no otimismo cego. Analisamos os desafios e os obstáculos da transição em Portugal, mas também as lutas de quem bate uma e outra vez na pedra até furar.
Encontramos nessa síntese um caminho em frente, uma esperança e um objetivo. Um combate que do particular se faz todo, seja nas Covas do Barroso ou no Litoral Alentejano. Por um modelo energético democrático e pelo investimento na ferrovia, desde que tenham em comum o objetivo inadiável de transformar tudo, relembrando que em Portugal ainda se diz que o povo é quem mais ordena e que o caminho se faz caminhando – mas não sem horizonte de esperança.
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